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Derrubando os mitos da vulnerabilidade – mito 3

Ademildes Rodrigues 22 de outubro de 2021 0 Comments

Mito 3: “Vulnerabilidade é expor totalmente a minha vida” – Derrubando os mitos da vulnerabilidade.

Estar vulnerável e aberto passa pela reciprocidade e é uma parte integrante do processo de construção da confiança.

Uma linha de questionamento que ouço com frequência diz respeito à cultura do fim da privacidade.

Pode haver vulnerabilidade em demasia? Não seria o caso de superexposição? Essas perguntas são inevitavelmente seguidas de exemplos do atual culto à celebridade. 

O que dizer quando certa atriz de cinema posta no Twitter sobre a tentativa de suicídio de seu marido? Ou quando rostos conhecidos da TV dividem com o resto do mundo detalhes íntimos de suas vidas e da vida de seus filhos?

A vulnerabilidade se baseia na reciprocidade e requer confiança e limites. Não é superexposição, não é catarse, não é se desnudar indiscriminadamente.

Vulnerabilidade tem a ver com compartilhar nossos sentimentos e nossas experiências com pessoas que conquistaram o direito de conhecê-los.

Estar vulnerável e aberto passa pela reciprocidade e é uma parte integrante do processo de construção da confiança.

Não podemos ter sempre garantias antes de compartilhar algo; entretanto, não expomos nossa alma na primeira vez que encontramos alguém. Nunca nos aproximamos dizendo: “Oi, meu nome é Brené e esta é a minha maior dificuldade.” Isso não é vulnerabilidade.

Pode ser desespero, carência afetiva ou necessidade de atenção, mas não é vulnerabilidade. Partilhar adequadamente, com limites, significa dividir sentimentos com pessoas com as quais temos um relacionamento e que querem fazer parte de nossa história. O resultado dessa vulnerabilidade mútua e respeitosa é um vínculo maior, mais confiança e mais envolvimento.

Estar vulnerável e aberto passa pela reciprocidade.

Portanto, informação em excesso não é um caso de “vulnerabilidade demasiada”, mas de falência da vulnerabilidade, quando nos afastamos da sensação que ela provoca para usá-la apenas em situações de carência e necessidade de atenção ou para nos entregarmos aos comportamentos extremados que se tornaram lugar-comum na sociedade de hoje.

Para dissipar o mito de que a vulnerabilidade é compartilhar nossos segredos com todo mundo, vamos examinar a questão da confiança.

Quando falo sobre a importância de ficar vulnerável, aparecem sempre muitas questões sobre a necessidade de confiar nos outros:

“Como sei se posso confiar em alguém o bastante para ficar vulnerável?”

“Só me mostrarei vulnerável a alguém se estiver seguro de que essa pessoa não me decepcionará.”

“Como saber se alguém irá trair minha confiança?”

“Como desenvolver a confiança nas pessoas?”

Não existe teste de confiança nem luz verde para sinalizar que é seguro nos abrirmos. Os participantes da pesquisa que responderam a essas perguntas descreveram a confiança como um processo de construção lenta, por camadas, que vai acontecendo com o tempo. Em nossa família nos referimos à confiança como “o pote de bolinha de gude”.

Minha filha Ellen teve sua primeira experiência de traição no terceiro ano do ensino fundamental.

Durante o recreio, ela contou para uma coleguinha de turma algo engraçado e levemente constrangedor que tinha acontecido com ela mais cedo naquele mesmo dia. Por volta do lanche da tarde, todas as garotas da turma já sabiam de seu segredo e estavam pegando no seu pé. Foi uma lição importante, mas dolorosa, porque até aquele momento ela nunca considerara a possibilidade de que alguém pudesse fazer tal coisa.

Quando Ellen chegou em casa, ela caiu no choro e me disse que jamais tornaria a contar seus segredos para alguém. Estava muito magoada. Foi de cortar o coração.

Para piorar as coisas, ela me disse que, quando voltou para a sala, as colegas ainda estavam rindo dela com tamanha intensidade que a professora as separou e retirou algumas bolinhas de gude do pote que havia na sala.

A professora de Ellen tinha um grande pote de vidro a que ela e as crianças se referiam como “o pote de bolinha de gude”. Ela mantinha uma caixa com bolinhas coloridas próxima ao pote, e sempre que a turma fazia boas escolhas coletivamente, ela lançava bolinhas de gude no pote.

Porém, sempre que a turma quebrasse regras ou não prestasse atenção, a professora retirava algumas bolinhas. Quando – e se – as bolinhas enchessem o pote, os alunos seriam recompensados com uma festa.

Por mais que eu quisesse dizer a Ellen “Não divida seus segredos com essas garotas! Assim elas nunca vão magoá-la de novo”, deixei meus medos e minha raiva de lado e comecei a tentar descobrir como ter uma conversa franca com ela sobre confiança e relacionamentos.

Enquanto procurava a maneira certa de traduzir minhas próprias experiências de confiança e o que aprendia sobre o assunto com a minha pesquisa de campo, pensei em como a metáfora do pote de bolinha de gude seria perfeita.

Sugeri a Ellen que pensasse sobre suas amizades como potes de bolinha de gude. “Sempre que uma pessoa lhe oferecer apoio, for carinhosa com você, defendê-la ou guardar o que você confiou a ela em particular, coloque uma bolinha de gude no pote. 

Se uma amiga ou um amigo for cruel, desrespeitoso ou espalhar seus segredos, uma bolinha deverá ser retirada.” Quando lhe perguntei se isso fazia sentido, ela acenou positivamente com a cabeça e disse entusiasmada: “Eu tenho amigas que encheriam o pote de bolinha de gude!”

Então ela descreveu quatro amigas com quem sempre podia contar, que sabiam alguns de seus segredos e nunca os revelaram a ninguém e que também haviam compartilhado alguns com ela.

“São amigas que me chamam para sentar com elas mesmo se forem convidadas para a mesa das garotas mais populares do colégio.”

Foi um momento sublime para nós duas. Quando lhe perguntei como essas meninas se tornaram amigas tão confiáveis e dignas das bolinhas de gude, ela pensou por um instante e respondeu: “Não tenho certeza. Como as suas amigas conquistaram as bolinhas de gude?” Depois de pensarmos juntas por um tempo chegamos às nossas conclusões.

Algumas das respostas de Ellen foram:

  • Elas guardaram meus segredos.
  • Elas me contaram seus segredos.
  • Elas se lembraram do meu aniversário.
  • Elas sabem quem são a vovó e o vovô.
  • Elas sempre me incluem nas coisas divertidas.
  • Elas sabem quando estou triste e me perguntam por quê.

Quando falto à escola por estar doente, elas pedem às suas mães que telefonem para saber como estou.

E as minhas? Exatamente as mesmas – com exceção de que para mim, vovó e vovô são minha mãe e meu padrasto.

Quando minha mãe chega numa festinha dos meus filhos, é uma grande alegria ouvir uma de minhas amigas dizer: “Oi, Deanne, que bom ver você!” Eu sempre penso: “Ela se lembrou do nome da minha mãe. Ela se importa conosco.”

Confiança é colocar uma bolinha de gude de cada vez.

O dilema do ovo e da galinha vem à tona quando pensamos sobre o investimento que as pessoas têm que fazer nos relacionamentos antes mesmo de o processo de construção da confiança começar.

A professora não disse: “Eu não vou comprar o pote e as bolinhas de gude antes de saber se a turma será capaz de fazer boas escolhas coletivamente.” O pote estava lá desde o primeiro dia de aula. Na verdade, ao final do primeiro dia, ela já havia enchido o fundo dele com uma camada de bolinhas.

As crianças não disseram à professora: “Decidimos não fazer boas escolhas porque não acreditamos que você colocará bolinhas no pote.” Elas trabalharam duro e abraçaram alegremente a ideia, porque confiaram na professora.

Um dos psicólogos que mais admiro no campo dos relacionamentos é John Gottman. Seu livro e Science of Trust: Emotional Attunement for Couples (A ciência da confiança: sintonia emocional para casais) é uma obra inspiradora sobre a anatomia da confiança.

Em um artigo no site Greater Good da Universidade de Berkeley, Gottman descreve a construção da confiança de uma maneira totalmente compatível com o que encontrei em minha pesquisa – e também com o que Ellen e eu chamamos de pote de bolinha de gude:

De acordo com a pesquisa, descobri que a confiança é construída em momentos muito pequenos, que eu chamo de momentos de “porta entreaberta”. Em qualquer interação há uma possibilidade de conexão com seu parceiro ou de distanciamento dele.

Vou dar um exemplo disso em meu próprio casamento. Certa noite, eu queria muito concluir a leitura de um livro policial. Achei que soubesse quem era o assassino, mas estava ansioso para confirmar minha suspeita. A certa altura, coloquei o livro na mesa de cabeceira e me levantei para ir ao banheiro.

Quando passei pelo espelho, vi a imagem repetida de minha esposa, e ela me pareceu triste, escovando seus cabelos. Era um momento de porta entreaberta.

Eu tinha uma escolha. Poderia sair daquele banheiro pensando: “Não quero lidar com a tristeza dela esta noite; quero ler meu livro.” Mas, em vez disso, talvez por ser um sensível pesquisador de relacionamentos, decidi ir até ela. Segurei a escova que estava em suas mãos e perguntei: “O que está acontecendo, querida?” Ela me disse que estava triste.

Naquele exato momento, eu estava construindo confiança; eu estava ali para apoiá-la. Eu estava me conectando com ela em vez de escolher me dedicar apenas ao que eu queria. São em momentos assim que a confiança é construída.

Um momento como esse pode não parecer importante, porém, se nós sempre escolhermos virar as costas para as necessidades do outro, a confiança no relacionamento vai se deteriorando – lenta e gradualmente.

Quando pensamos em traição nos termos da metáfora do pote de bolinha de gude, a maioria de nós imagina alguém em quem confiamos fazendo algo tão terrível que nos obrigasse a pegar o pote e jogar fora todas as bolinhas.

Qual é a pior traição de confiança que você pode imaginar? Ele me trai com minha melhor amiga. Ela mente sobre como gastou o dinheiro. Alguém usa minha vulnerabilidade contra mim. 

Todas são traições terríveis, sem dúvida, mas há um tipo específico de traição que é ainda mais desleal e igualmente corrosivo para a confiança no relacionamento.

Na verdade, esta traição geralmente acontece muito antes das outras todas. Estou falando da traição do descompromisso. De não se importar. De desfazer o vínculo. De não desejar dedicar tempo e esforço ao relacionamento. 

A palavra traição evoca experiências de falsidade, mentira, quebra de confiança, omissão de defesa quando nosso nome está envolvido em intrigas ou fofocas e de não sermos escolhidos como alguém especial entre outras pessoas. 

Esses comportamentos são certamente traiçoeiros, mas não são as únicas formas de traição. Se eu tivesse que escolher uma forma de traição que tenha aparecido com muita frequência em minha pesquisa e que tenha se mostrado a mais perigosa em termos de corrosão do elo de confiança em um relacionamento, eu mencionaria o descompromisso.

Quando as pessoas que amamos ou com quem temos uma forte ligação param de se importar conosco, de nos dar atenção e de investir no relacionamento, a confiança começa a se extinguir e a mágoa vai crescendo.

O descompromisso gera humilhação e desperta nossos maiores medos: de ser abandonado, desvalorizado e desprezado. O que pode fazer dessa traição obscura algo muito mais perigoso do que uma mentira ou até mesmo do que um caso fortuito é o fato de não conseguirmos localizar a fonte de nossa dor – não há acontecimento, nenhuma evidência explícita de ruptura. E isso pode deflagrar um processo de loucura.

Podemos dizer a um parceiro descompromissado: “Você não parece mais se importar com nosso casamento.” Mas sem uma “prova” disso, a resposta pode facilmente ser a seguinte: “Chego em casa todo dia do trabalho às sete da noite. Ponho as crianças na cama. Levo a família para passear no domingo. O que mais você quer de mim?” 

Ou, no ambiente de trabalho, quando sentimos vontade de dizer: “Por que não me dão mais feedback? Digam que gostam de mim! Reclamem de alguma coisa!

Mas me façam lembrar que eu ainda trabalho aqui!”

Com os filhos, as atitudes têm mais peso do que as palavras. Quando paramos de nos interessar por suas vidas, não perguntando mais como foi seu dia nem querendo saber mais de seus gostos musicais, de suas amizades, eles ficam ressentidos e com medo (em vez de aliviados, independentemente do temperamento que os adolescentes possam ter). E por não conseguirem expressar bem como se sentem com nosso desinteresse, quando paramos de nos esforçar para participar, eles começam a agir de maneira extravagante, pensando: “Isto vai chamar a atenção deles.”

Assim como a confiança, a maioria das experiências de traição se acumula lentamente, com uma bolinha de gude de cada vez. Na verdade, as traições grandes e visíveis que mencionei antes são mais frequentes após um período de desinteresse e de corrosão lenta da confiança.

Para concluir, a confiança é um produto da vulnerabilidade que cresce com o tempo e exige trabalho, atenção e comprometimento total. Confiança não é uma postura nobre – é uma coleção de bolinhas de gude que cresceu.

Continuamos com os mitos da vulnerabilidade no próximo post, o mito 4.

Do livro A Coragem de ser imperfeito de Brené Brown – Editora sextante

Ademildes Rodrigues

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